30 anos de Constituição Federal: um lembrete
- IMGN WebStudio
- 10 de out. de 2018
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A Constituição Federal completou 30 anos no dia 05 de outubro. A data faz-nos refletir sobre seu conteúdo e suas finalidades ante os percalços que vem enfrentando, principalmente nos últimos dois anos.
A promulgação do texto constitucional, ocorrida em 05/10/1988, foi o Ć”pice de um movimento pela redemocratização do paĆs. Durante quase uma dĆ©cada, amplos segmentos sociais exigiram desde o fim da tortura e das prisƵes arbitrĆ”rias atĆ© eleiƧƵes diretas para Presidente. Se nĆ£o obtiveram sucesso nessa Ćŗltima, o processo polĆtico que resultou na āConstituição CidadĆ£ā permitiu que a Assembleia Nacional Constituinte promulgasse um texto moderno e que deu esperanƧas Ć sociedade de efetivar direitos e um modelo de Estado de Bem-Estar Social que atendesse Ć s expectativas e necessidades de um paĆs que se industrializara, mas que permanecia profundamente desigual.
Os anos que se seguiram Ć promulgação foram turbulentos: crise econĆ“mica, sequestro de poupanƧas, recessĆ£o, hiperinflação, impeachment do primeiro Presidente eleito pelo votoĀ direto após quase 30 anos. Embora a inflação tenha sido finalmente debelada e a polĆtica tenha se normalizado por meio da formação de dois campos antagĆ“nicos e bem delineados, a Constituição sofreu, no decorrer da dĆ©cada de 1990, ataques que se inseriam na concepção de āEstado MĆnimoā, em voga Ć Ć©poca na AmĆ©rica Latina e oposta Ć s ideias consolidadas no texto constitucional.
Isso atrasou e atĆ© impediu a efetivação de vĆ”rias previsƵes constitucionais, embora tenha havido progressos em Ć”reas importantes, como a consolidação do SUS. A dĆ©cada de 2000 marcou um novo fĆ“lego para a execução das previsƵes constitucionais, especialmente no campo social. Um conjunto significativo da sociedade antes marginalizado foi incluĆdo nos direitos bĆ”sicos de cidadania; alĆ©m disso, mediante uma moderna intervenção na economia, o Estado pĆ“de manter um ciclo de desenvolvimento econĆ“mico relativamente estĆ”vel, com taxas decrescentes de desemprego e ganhos reais nos salĆ”rios. A polĆtica de valorização do salĆ”rio mĆnimo e a instituição de uma renda bĆ”sica de cidadania, em termos parecidos aos modelos sueco e alemĆ£o do pós-guerra, alĆ©m do aumento marcante do nĆŗmero de estudantes universitĆ”rios, permitiram a ascensĆ£o social para milhƵes de brasileiros. Os indicadores sociais melhoravam e as desigualdades diminuĆam em qualidade e velocidade inĆ©ditas.
Essa progressĆ£o Ć© visĆvel atĆ© a primeira metade da dĆ©cada de 2010. A exaustĆ£o do modelo de crescimento econĆ“mico e, de 2016 em diante, a execução de um projeto de paĆs diverso da concepção inicial da Constituição ā e nĆ£o legitimado pelas urnas ā, acabaram por reverter essa tendĆŖncia. A intromissĆ£o cada vez maior do JudiciĆ”rio na vida polĆtica nacional, a polĆŖmica āreformaā trabalhista (que pƵe em risco direitos bĆ”sicos dos assalariados e legaliza a precarização das relaƧƵes de trabalho) e a Emenda Constitucional 95, a qual prevĆŖ congelamento dos gastos e investimentos pĆŗblicos por 20 anos, algo inaudito no mundo moderno e incompatĆvel com um paĆs com tantas deficiĆŖncias em serviƧos pĆŗblicos como o Brasil, sĆ£o os principais sĆmbolos dessa nova era.
A defesa do espĆrito cidadĆ£o da Carta de 1988 Ć© dever da sociedade. Os objetivos fundamentais da Carta (art. 3Āŗ), pilares de qualquer nação que se quer minimamente civilizada, nĆ£o serĆ£o atingidos por meio dessas polĆticas, e a efemĆ©ride de outubro, comemorada dois dias antes do primeiro turno da eleição geral, deve lembrar o paĆs que o estatuto constitucional que defende os direitos e garantias individuais estĆ” correndo sĆ©rio risco, inclusive por proposiƧƵes neofascistas. A mobilização deve ser urgente, e a História nĆ£o perdoarĆ” hesitaƧƵes.
* Fabio Augusto Mello Peres é advogado trabalhista e sindical no escritório Passos & Lunard, formado em Direito pela Universidade Federal do ParanÔ-UFPR, pós-graduado em Relações Internacionais pela mesma instituição e pós-graduando em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas-Unicamp.